O General
O Generalíssimo Augustus V. Crasso Pompeu tinha muitos títulos. Líder Supremo, Comandante das Forças Armadas, Senhor das Guerras e, segundo a família do militar, um homem de coração sensível.
Sentado em sua cadeira de couro, de onde se avistava um mapa-múndi emoldurado, ele se orgulhava de comandar o maior arsenal bélico da história recente. Tinha mísseis de longo alcance, caças invisíveis ao radar e bombas com nomes tão sofisticados que ele repetia em voz alta, só pra ouvir a sonoridade das palavras: Tsar Bomba; Avangard; W88. Que lindezas!
Enquanto seus ministros debatiam temas triviais e enfadonhos como inflação, saúde pública, educação, Augustus se distraía imaginando o caminho para novas fronteiras. Com um marca-texto na mão, circulava mentalmente países vizinhos como quem risca um convidado de uma festa.
Com o seu currículo invejável, é claro que ele sabia das consequências. A guerra era ruim para a economia, dizimava populações, destruía infraestrutura, desencorajava os investidores. Mas a ideia de protagonismo histórico falava mais alto, sabe? O que vale mais: uma vida em paz ou um nome pra história? Ele não tinha dúvidas.
Durante as reuniões com o alto escalão, já imaginava o busto esculpido por um artista renomado e conseguia até ouvir a voz do guia turístico falando para as crianças “Foi graças a ele que nossa nação se impôs frente aos inimigos”.
A cada novo investimento em armamento, os ministros batiam palmas como se comemorassem um gol. O ambiente tinha menos diplomacia, e mais autoestima com certezas egóicas. Era como um jogo de War, só que com orçamento ilimitado e consequências globais.
Numa noite qualquer, já com a gravata afrouxada e o copo de uísque na mão, decidiu escrever o discurso da vitória. A guerra ainda não tinha começado, mas ele não pensava em outra possibilidade que não fosse a vitória. Olhou para os lados, mesmo estando só, com uma certa vergonha por estar escrevendo um discurso.
Só conseguiu escrever a primeira frase: Hoje, esta nação provou ao mundo que não se dobra diante de ameaças. Estava saboreando sua própria genialidade quando seu assessor entrou no gabinete, pálido, segurando uma planilha.
— Senhor… fizemos novas simulações. Se lançarmos os mísseis, a reação em cadeia será abrangente demais. Precisamos pensar em uma nova estratégia ainda hoje.
Augustus ergueu uma sobrancelha, curioso:
— Abrangente como?
— Tipo o fim do mundo, senhor. Literalmente. Extinção. Inverno nuclear. Colapso global. Essas coisas.
O general suspirou, analisou a expressão do assessor e refletiu sobre o custo-benefício da própria existência. Pensou nas crianças órfãs, nas famílias desabrigadas, nos animais de rua, nos desempregados. Quase se sensibilizou, até que o devaneio passou.
Diante de tamanha possibilidade de glória póstuma, tomou a decisão mais equilibrada que sua megalomania permitia: aumentou o orçamento militar em 47%, suspendeu as negociações diplomáticas e encomendou dois discursos oficiais: um de vitória e outro de martírio.
Se era pra fazer história, faria. O seu nome estaria nos livros, se sobrasse alguém para contar.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.