Celebrar!

Aos domingos, a expectativa era, habitualmente, um almoço diferente do comum. Brincávamos dizendo que era “dia de macarronada, frango e Silvio Santos”. Sim, o mestre da apresentação desenvolveu um marco na vida de enorme contingente de brasileiros. E não era para menos. Foram anos e anos do divertido programa variado e que, por vezes, entregava prêmios com forte apelo emocional. Para isso, contava-se a história de dificuldades e carências do contemplado, que podia ser uma pessoa ou uma família. Ficávamos consternados. Depois havia música, calouros, competições, cenas hilárias e
personagens marcantes.

Tantos sonhos, ainda não realizados, promovem esse resgate de memórias, como a nos obrigar a refletir sobre o que se construiu e o que permanece na seara dos desejos.

Nesse domingo, dia 21 de setembro, comemoramos, desde 1982, o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Essa data antecede o aniversário de uma grande guerreira pela causa PcD, a mineira Iolanda Sapucaia. A ideia, de iniciativa dos movimentos sociais ligados a este segmento, por sua legítima
importância, foi recepcionada pelo arcabouço jurídico nacional em 14 de julho de 2005, através da Lei 11.133/2005.

Muito se fez em prol desse recorte social nos últimos anos, especialmente na década de 1990. Não sem a participação natural das próprias PcD e das diversas entidades, associações e grupos de defesa de direitos. Ocorre que havia um abismo entre o desenvolvimento social e econômico no país e a realidade das PcD. Faltava acessibilidade ao básico para uma vida autônoma e tendente ao autodesenvolvimento. Estudo ou escolaridade formal, emprego, deslocamentos, lazer, entre outros. Talvez, por isso, a percepção de mudança tenha sido tão intensa no início dessa verdadeira revolução. Havia demandas demais reprimidas e o atendimento a quaisquer delas dava a impressão de uma conquista maior. Atualmente, continuamos em evolução, mas o impacto já não é tão claro. Importa, então, que continuemos atentos, focados e empenhados em minimizar a diferença negativa entre os espaços de oportunidades nos diversos campos de atuação humana, para eliminar a discriminação, o capacitismo e
outras formas de exclusão social.

A realização desses sonhos, depende, em grande parte, das próprias PcD e das pessoas em seu entorno. Esse núcleo adjunto, frequentemente, na intenção de preservar a PcD, propõe ou incentiva a reclusão, a acomodação.

O compositor Miguel Gustavo, em 1959, escreveu um samba clássico da MPB que, recentemente foi regravado pela grande Maria Bethânia, “E Daí? (Proibição Inútil e Ilegal)”. Nesse grande sucesso, gravado pela primeira vez pela saudosa Isaurinha Garcia, o autor trata de restrições românticas impostas a uma pessoa amada. Fazendo uma analogia, a letra traduz, com maestria, a mesma situação imposta a diversas PcD pelo seu núcleo de convivência: “Proibiram que eu te amasse, / Proibiram que eu te visse, / Proibiram que eu saísse, / ou perguntasse a alguém por ti…”.

A clausura, por mais que intente proteção, em verdade impede a socialização, o desenvolvimento e a autonomia. E mesmo hoje, essa adversidade existe e precisa ser combatida com informação responsável. Aí, sim, poderemos celebrar.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

Whatsapp: (61) 99286-6236

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Site: Mário S. R. Ananias – Sobre Viver com Pólio (mariosrananias.com.br)

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1 Comment

  • Mário, que texto incrível, meu amigo!
    A maneira como você começa trazendo uma memória afetiva de domingo, com macarronada, frango e Silvio Santos, já prende a atenção de forma leve e nostálgica. Depois, a transição para um tema tão sério e relevante como a luta das pessoas com deficiência é feita com uma sensibilidade admirável.

    Gostei muito da riqueza histórica que você trouxe, citando a lei, os movimentos sociais e até referências culturais como a música de Miguel Gustavo. Você conseguiu unir emoção, reflexão e informação de uma forma que toca e ao mesmo tempo ensina.

    Parabéns pela clareza, pela profundidade e pelo cuidado com cada palavra. É daqueles textos que a gente lê e fica refletindo depois.

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