O clube das cansadas
Mais do que um grupo feminino, formou-se uma egrégora de mulheres exaustas. Os encontros começaram depois de uma mensagem no grupo de mães da escola:
“Encontro na quarta, 19h. Quem topa? Eu levo vinho e verdades.”
Nenhum emoji. Nenhuma explicação. Mas gerou-se um interesse coletivo, ainda que não tivesse 100% de adesão naquele primeiro momento. Duas mães responderam com joinha. Uma mandou uma figurinha da Marisa Monte, descabelada e exausta. Pronto. O clube estava formado.
Não era um clube secreto, era um clube discreto. Sem a pressão do “ter que”, e com um cuidado gigante para não provocar um susto coletivo. Porque quando uma mulher para de tentar, o mundo entra em colapso, e os holofotes se acendem na cara da pobre mulher cansada.
Na primeira reunião, na varanda da idealizadora: mesa de madeira, pão de alho ao forno, vinho modesto, aquele que fica entre o barato e o caro, mas não dá dor de cabeça. De sobremesa, bolo de micro-ondas com Nutella.
No primeiro brinde, estabeleceram algumas regras básicas para os próximos encontros:
- Nada de sutiã com bojo.
- Proibido fingir entusiasmo.
- Quem levantar assunto polêmico será gentilmente convidada a se retirar.
- Pode repetir o prato. Pode repetir o lamento. Pode não repetir nada.
As fundadoras eram quatro: Cláudia, que abandonou o botox aos 40 e o marido no mesmo mês; Laura, que parou de usar muito creme anti-idade e passou a usar poucas palavras; Denise, que trocou a psicóloga por tardes no sol, sem protetor; e Renata, a mais nova, que ainda pedia desculpas por tudo, mas já estava em processo de desintoxicação.
— Cansei de tentar parecer interessante — confessou a caçula, na segunda taça.
— Cansei de parecer forte — disse outra.
— Eu tô cansada de tudo, ponto — resumiu Laura, abrindo mais um pacote de Doritos.
Era um alívio coletivo. Não querer ser a mãe exemplo. Nem a esposa parceira. Nem a profissional imbatível. Ali, nenhuma era inspiração no Instagram. Nenhuma fazia yoga de madrugada ou “acordava às 5h para mentalizar o dia perfeito”. Davam conta de si mesmas aos trancos e barrancos.
Na terceira reunião, alguém propôs uma pauta:
“Assuntos que não aguento mais fingir que me importo.”
— O caráter da Virgínia.
— O shape da Bruna Marquezine.
— Criar filhos sem telas.
— A felicidade como obrigação.
Aos poucos, os encontros foram crescendo. Apareceram novas integrantes que, com facilidade, se adaptavam às regras e pautas. Na semana passada, ouviram a história da mulher que enfrentou o abuso do chefe e não pediu desculpa. Foi aplaudida.
Também teve o caso da que voltou a usar a aliança só pra não explicar que se separou, e da que anda respondendo “não, obrigado” em vez de “vou pensar com carinho”.
Não estavam deprimidas. Estavam despertas. E isso, pra quem sempre esteve no automático, dá até tontura. Alguém finalmente verbalizou:
— A gente não está se rebelando. A gente está parando de obedecer.
O silêncio foi como um suspiro de alívio e o sinal de que a noite havia terminado. Não fizeram cerimônia para ir embora. Laura também não insistiu. Apagaram as luzes e deixaram os copos pela metade, sem cogitar a limpeza.
Já tinham decidido a pauta da semana que vem:
“Meu marido que limpe!”
Laura olhou a bagunça e não se importou. Já queria chegar na próxima reunião com história pra contar.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.