Retrocesso
A recente PEC que visa a redução de direitos da PcD representa um preocupante retrocesso em termos de inclusão, cidadania e respeito à dignidade humana. Sob o argumento de flexibilizar políticas públicas (PP) ou desonerar o Estado, a PEC atinge frontalmente garantias historicamente conquistadas,
desconsiderando as especificidades e vulnerabilidades desse recorte social.
Enfraquece o arcabouço jurídico construído com base na Convenção Internacional sobre os Direitos das PcD, da qual o Brasil é signatário, e possui status constitucional. A proposta ignora princípios fundamentais, como igualdade material e acessibilidade plena. Pode representar a revogação de medidas protetivas em áreas como educação inclusiva, cotas no mercado de trabalho, aposentadoria especial e acesso prioritário à saúde, entre outros. Não são privilégios; são compensações mínimas por décadas — quiçá, séculos — de exclusão sistemática.
Ao flexibilizar direitos que garantem a inclusão e a autonomia das PcD, o Estado abandona seu papel de promotor da justiça social e reafirma práticas de marginalização. A PEC colide com o modelo de sociedade inclusiva previsto na Constituição, reforçando uma lógica capacitista que subestima a capacidade das PcD e as trata como um fardo fiscal. Inclusão não é obstáculo orçamentário, é
dever moral e jurídico. O discurso de “modernização” da proposta encobre tendência preocupante de desmonte de PP em nome de suposta eficiência administrativa. Na prática, desumaniza.
A repercussão entre especialistas em direito constitucional, movimentos sociais e entidades representativas é majoritariamente crítica. Juristas alertam para sua inconstitucionalidade, e ativistas apontam que ela viola tratados internacionais comprometendo décadas de luta.
Sem reduzir direitos, opte-se por investir em PP robustas e fiscalizar o seu cumprimento. Portanto, a PEC em questão representa não apenas uma ameaça aos direitos da PcD, mas um atentado à própria ideia de civilidade e democracia. Reduzir direitos de quem mais precisa de proteção é, em última instância, negar a todos nós o direito a uma sociedade justa e igualitária.
Nas últimas três décadas, os EUA e diversos países europeus avançaram significativamente na promoção dos direitos das PcD, consolidando políticas públicas robustas baseadas em princípios de igualdade, acessibilidade e autonomia. Essa trajetória de progresso contrasta fortemente com a atual
tentativa brasileira, por meio da PEC, de reduzir esses mesmos direitos — o que evidencia um grave desalinhamento com padrões internacionais de dignidade e inclusão social.
Nos EUA, a promulgação do Americans with Disabilities Act (ADA)/1990 representou um marco revolucionário. A ADA proibiu a discriminação com base na deficiência em todas as áreas da vida pública, incluindo empregos, escolas, transporte e todos os espaços públicos e privados abertos ao público. Desde então, os EUA têm fortalecido a aplicação da lei com adaptações tecnológicas, políticas de empregabilidade inclusiva e garantias jurídicas efetivas. Importantes decisões judiciais e políticas federais continuam expandindo os direitos, inclusive com o uso da internet acessível como extensão do espaço público — algo ainda raro em muitos países, inclusive o Brasil.
Na Europa, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das PcD foi adotada com ênfase na independência pessoal, participação plena na sociedade e não-discriminação. A União Europeia estabeleceu estratégias plurianuais de inclusão, como o European Disability Strategy (2010–2020) e sua continuação até 2030, focando em temas como educação inclusiva, emprego acessível, moradia adaptada e tecnologias assistivas. Países como Suécia, Alemanha e Holanda adotaram políticas universais de desenho inclusivo, reformas urbanas acessíveis e sistemas de transporte altamente adaptados.
Esses avanços não se limitaram a reformas formais. Houve mudança cultural no entendimento da deficiência, do modelo médico para o social, reconhecendo que as barreiras estão na sociedade — e não nas limitações das pessoas. Essa mudança de paradigma é justamente o que a PEC brasileira parece ignorar ao propor cortes e flexibilizações em direitos conquistados, ao invés de avançar na remoção dessas barreiras sociais e estruturais.
O Brasil deveria mirar nos exemplos positivos internacionais e consolidar políticas de inclusão baseadas em direitos humanos e justiça social. Desconsiderar esse contexto histórico e internacional não apenas isola o país em termos de política de direitos humanos, como também compromete seu compromisso moral e legal com uma sociedade plural, justa e democrática.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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