Estupidez
A proparoxítona de quatro sílabas, “estúpido”, advém do latim (stupidus) e se refere a alguém com imensa dificuldade de absorver conhecimento, por falta de inteligência. Além disso, grosseiro e imbecil, entre outros adjetivos, são seus sinônimos. E não tem nada de bom na palavra? É claro que sim. Quando usado como advérbio de intensidade. Por exemplo, “estupidamente gelada”, a indicar uma deliciosa cerveja ou “estupidamente linda”, que, creio, dispensa explicações.
Em situações incomuns, o termo serve para indicar a falta de empatia decorrente de um mínimo de inteligência. Como na anedota em que uma senhora se desequilibra nas escadarias de um local de peregrinação e rola degraus abaixo. Um jovem bem próximo se esquiva da mulher ao invés de lhe prestar apoio, para evitar que o problema se agravasse. Outros romeiros, assustados vendo a cena, questionam o jovem, chamando-o de estúpido, em altos brados. Qual a razão por que não ajudou aquela idosa que caia? Ao que ele, de forma grotesca, responde: “Ah! Eu não! Vai que é promessa.” Isso, claramente, é estupidez.
Uma vez ou outra, minha capacidade de equilíbrio foi colocada à prova de forma inusitada. Um pequeno empurrão, à guisa de brincadeira, em algum declive; deslocar meu braço ou mão de um apoio; mover alguma coisa em que esteja pisando; entre outras, de humor duvidoso. A musculatura das minhas pernas foi severamente afetada pela poliomielite. Isso eliminou a possibilidade de controle natural. Convivo com essa adversidade desde meus seis meses de vida. É possível, claro, nos adaptarmos. No entanto, viver sem as restrições impostas pelo problema seria bem mais fácil.
Quando fui infectado, não havia o Zé Gotinha. Vacinar contra esta doença que, além de deixar sequelas irreversíveis, pode levar o paciente a óbito, é o único ato de proteção definitiva. Quando se observam estatísticas informando que a cobertura vacinal está muito abaixo do que seria necessário para evitar novos surtos, percebe-se que não é só falta de atenção. É também desamor. As vacinas são gratuitas, há disponibilidade na rede pública, o tempo dispendido no processo de imunização é mínimo. Então, o que “justificaria” a opção por colocar alguma criança em tão significativo risco?
Cabe aqui ressaltar que, mesmo atualmente, com a facilidade de comunicação e acesso ao conhecimento, até para as camadas de mais baixa renda da população, muitas pessoas que têm crianças sob sua guarda ignoram a informação. Demonstram desdém por um cuidado tão simples. Desinteresse por uma proteção vital e de custo zero.
Em 1969, os fantásticos Roberto e Erasmo Carlos lançaram, na voz do Rei, a romântica “Sua Estupidez”, em que afirmam que o que não permite à desejada perceber seu nobre sentimento é a estupidez dessa amada. E vale ressaltar que uma ou mais tentativas de conquista não garante, mas pode alterar, no curso do tempo, a condição de dispensado para querido. Conquistas, de parte a parte, acontecem dessa forma, com certa frequência. Não é, todavia, o caso de algumas doenças infectocontagiosas, como a “paralisia infantil”. Exceto quando há estupidez envolvida.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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1 Comment
Mário Sérgio você sempre me surpreendendo com seus artigos! Muito bem colocado a palavra “estúpido”. Aprendendo sempre com você e de quebra me deliciando com a leitura!