Pernilongo kamikaze
Se existisse curso de estratégia militar, eu duvido que algum general ousaria copiar as táticas do pernilongo. Ele não faz reconhecimento de terreno, não calcula forças do inimigo, não espera a lua minguar para uma ofensiva mais segura. Ele ataca. E ataca logo o que há de mais perigoso: um corpo humano inquieto, armado de travesseiros, chinelos, repelentes e, em casos mais avançados, raquetes elétricas.
E, ainda assim, ele vem.
Esse ser microscópico, cuja expectativa de vida não passa de alguns dias, decide que a missão de sugar sangue vale a própria existência. É um pequeno kamikaze que não se deixa abalar por estatísticas: 9 em cada 10 ataques terminam em obituário estampado na parede ou na palma da mão. Ele não se importa. Sempre há a chance de ser o décimo.
O ritual é conhecido. Primeiro vem o zumbido uma sirene irritante que não serve para nada além de avisar: “Prepare-se, estou chegando”. Depois, o voo torto, como se estivesse bêbado, mas que misteriosamente encontra sempre o mesmo destino: a nossa orelha. O pernilongo parece ter obsessão por ouvidos. Talvez porque saiba que ali, além do sangue, há também a garantia de nos enlouquecer.
E o mais intrigante é a cara de pau. Um inseto de meio grama decide sugar o sangue de um ser infinitamente maior que, naquele exato momento, pensa em planilhas, boletos e dívidas. O pernilongo não quer saber do seu cansaço, do seu sono leve ou da meditação guiada que você colocou pra fugir da insônia. Ele só pensa na hemoglobina. Ele só pensa no triunfo da picada bem-sucedida.
No fundo, é um terrorista em miniatura. Não recua, não negocia, não se rende. Se sobrevive, se empanzina. Se morre, morre heróico, com a tromba suja de sangue humano, e talvez até orgulhoso do estrago deixado para trás.
E é impossível não se render à ironia: enquanto a gente calcula cada passo, pesa prós e contras, mede consequências… um inseto ínfimo se joga contra o impossível com a cara e a tromba. Se morre, morreu. Se vive, sai vitorioso, carregando no corpo leve a glória de ter sugado um gigante.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são .