Salve, Dusek!
O bom ócio após algumas semanas bastante atribuladas cairia bem. Início de primavera, a companheira feliz ao lado, a expectativa de mais uma viagem de trabalho para São Paulo, na segunda. Resta então, depois dos preparativos para mais uma semana de muitos compromissos, zapear os canais de TV à procura de um programa leve, só para relaxar. Não é hora para mais notícias pesadas que apontam para mais uma crise, para mais um preço aumentado, mais um problema.
Visto que nenhum programa chamou a atenção, migro para o YouTube para ouvir músicas e, talvez, resgatar um sucesso que envolve o coração há tempos. Uma das sugestões do canal é o ótimo Peninha revivendo sua grande composição Sonhos (1977), no programa Altas Horas, comandado pelo
Serginho Groisman, gravado em 2024. Um show delicioso. Então, aproveitando o momento e vendo outros tantos ótimos artistas das décadas de 1970/80 ali, na plateia, resolvi buscar outros vídeos. Tony Tornado, Perla, Tetê Espíndola, Ritchie, Leo Jaime, Marina Lima, Byafra, Cláudio Zoli, Gilliard e muitos outros. Ah! Foi magnífico. Cada um dos que se apresentaram ajudou-me a reviver lembranças espetaculares de uma juventude cheia de sonhos, de projetos e de algumas realizações. Saudade boa e muito importante para avaliar o que queríamos, o que conquistamos, o que obteve nossa máxima atenção e, claro, no que falhamos. E essas falhas servem sempre para o aprendizado e, naturalmente, para rever conceitos, corrigir rotas, entender nossos momentos e o de outras pessoas com as quais convivemos.
Naqueles momentos de risos fáceis, de reviver boas emoções, o programa apresentou o fantástico Eduardo Dusek. PQP! Nenhuma outra expressão cairia tão bem para aquele instante de enorme impacto que senti ao vê-lo quase sem controle dos membros, auxiliado por um andador. Um belo artista, admirável, debochado, irreverente, ótimo pianista. Inteligentíssimo. Quem, como ele, é capaz de demonstrar resiliência e capacidade de manter o bom e satírico humor, apesar da derrocada física, não é uma pessoa comum. É alguém que venceu a vicissitude dependente de slogans, formas pré-concebidas, padrões irrelevantes.
Quando o ouvi pela primeira vez, interpretando a música “Barrados no Baile”(1982), composta em parceria com Luiz Carlos Góes, imaginei que seria apenas mais um a ter um único sucesso e sumiria. Mas, não. Excelente músico, ótima voz, que inclusive interpretou magistralmente “Serra da Boa Esperança” (1937) do grande Lamartine Babo e Carlos Alves Neto.
Sou PcD, há tempos imemoriais. Talvez isso seja uma das razões para uma adaptação relativamente tranquila. O diagnóstico do grande artista aconteceu há apenas dez anos, em 2015. E ele, nascido em 1954, tem apenas 3 anos mais que eu. Por isso o choque que tive ao ver os danos causados pela Doença de Parkinson que o debilitou tanto fisicamente e, mais tristemente, ceifou sua coordenação motora de mãos e braços. Quantas barreiras de toda ordem se impuseram a esse rapaz tão cheio de vida e de alegria que distribuía a tantas pessoas…
Passado o susto inicial, percebi o quanto ele é maior que a doença.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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1 Comment
Mário, que texto maravilhoso, meu amigo! Você tem uma sensibilidade rara para transformar reflexões do cotidiano em algo profundo e tocante. A forma como descreveu o momento de descanso, o mergulho nas músicas e as lembranças que elas despertam ficou simplesmente cativante. A passagem sobre Eduardo Dusek então… emocionante demais! Você conseguiu transmitir não só a admiração pelo artista, mas também a grandeza dele diante das dificuldades. É daqueles textos que fazem a gente parar, pensar e sentir. Parabéns, ficou inspirador!