Superendividamento: veja como buscar apoio e mudar hábitos para vencer situação, que é tema em alta nas redes
Precisa escolher entre comer ou pagar débitos? Veja como é possível mudar cenário
De acordo com o Mapa da Inadimplência da Serasa, divulgado em agosto deste ano, o Brasil tem 78,8 milhões de inadimplentes. Entre eles, há quem contraiu dívidas e não consegue pagá-las porque, se fizer isso, não terá capacidade de arcar com as despesas de suas necessidades mais básicas. Essa é a condição dos superendividados, classificados na Lei nº 14.181/2021, que garante proteção nas renegociações de diversos débitos.
— O principal sinal dessa condição é precisar escolher entre quitar parcelas de crédito ou pagar despesas essenciais, como moradia e alimentação — explica Aline Vieira, especialista da Serasa em educação financeira.
A Lei do Superendividamento entrou em vigor no Brasil há mais de quatro anos, mas ainda é pouco conhecida pelos cidadãos. Para mudar o cenário, cada vez mais advogados, nas redes sociais, chamam atenção para os direitos dos devedores. Os superendividados, em vez de escolherem qual conta pagar a cada mês, têm direito a uma mesa de conciliação única. A ideia é formar um plano de pagamento dos seus credores em bloco, que não pode comprometer a reserva do chamado mínimo existencial, atualmente fixado em R$ 600. Os Procon do Estado do Rio e da capital são alguns dos órgãos que trabalham sob esses parâmetros para ajudar, gratuitamente, os cidadãos.
— Se a negociação voluntária fracassar, um juiz pode impor um Plano de Pagamento Judicial Compulsório, garantindo a reorganização das obrigações, fato inédito no Direito Privado para pessoas físicas — conta o advogado Eduardo Bonilha de Souza, do escritório Paschoini Advogados.
Avaliada como um avanço conceitual, a lei, porém, não funciona de forma eficaz para todos. No Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, o caminho para uma solução é outro.
— Na aplicação real, a Lei do Superendividamento não se mostra uma solução eficaz. Primeiro, por haver um prazo máximo de cinco anos para o pagamento das dívidas. Geralmente, a pessoa endividada precisa de mais tempo. Outro motivo é que, caso um dos credores recuse a negociação, todo o plano deixa de funcionar. Assim, a Defensoria Pública tem adotado como prática as negociações individuais, associadas a um trabalho de educação financeira do superendividado — diz a coordenadora Luciana Telles.
Para quem quer sair da situação de superendividamento, o EXTRA preparou um guia especial. Nesta reportagem, mostra como pedir ajuda e como mudar hábitos. Clicando aqui, o leitor pode conhecer advogados que têm conquistado seguidores nas redes sociais explicando os direitos de devedores. As causas e as consequências desta situação são abordadas em uma terceira matéria (link).
Onde buscar apoio
- Procon Carioca
O Procon Carioca conta com o Núcleo de Educação e Atendimento ao Superendividamento do Consumidor (Neascon), criado especialmente para atender pessoas que estão superendividadas. Interessados podem entrar em contato pelos canais oficiais do Procon Carioca, no site (proconcarioca.prefeitura.rio), pelas redes sociais ou de forma presencial na sede do órgão (Rua Aristides Lobo 71, 2º andar), no Rio Comprido. Para iniciar o processo, é importante que o consumidor leve documentos pessoais, comprovante de residência e todos os comprovantes das dívidas: boletos, contratos, faturas ou notificações de cobrança.
O Neascon oferece um atendimento humanizado e especializado, que vai além de intermediar o contato entre consumidores e credores. A equipe técnica elabora um plano de pagamento de todos os credores do consumidor, de forma agregada. Entretanto, em diversas ocasiões, as negociações ocorrem de forma individualizada, uma vez que nem todos os credores aceitam as condições propostas pelo superendividado. Seja qual for a estratégia, o núcleo garante a preservação do mínimo existencial. Também são oferecidas orientações sobre planejamento financeiro e acompanhamento individual, para ajudar o consumidor a retomar o controle da própria vida financeira.
- Procon-RJ
O Procon-RJ tem o Núcleo de Prevenção e Tratamento ao Superendividamento, que pode ser acionado através do número de WhatsApp (21) 98263-5085 ou pelo e-mail super.formulario@procon.rj.gov.br, informando sua condição e solicitando o início do atendimento. É pedido o preenchimento de um pré-formulário e a realização de uma entrevista para análise da situação.
O Procon-RJ trabalha nos parâmetros da Lei de Superendividamento e elabora um plano de pagamento dos credores em bloco, com os valores divididos entre os credores de forma proporcional e transparente. O mínimo existencial sempre é garantido. Aprovado pelo consumidor, o documento é levado à Audiência de Conciliação Coletiva e, em caso de acordo, é dado início à quitação das dívidas. O consumidor é informado de todas as condições estabelecidas, sabendo quanto está sendo destinado a cada credor e o prazo previsto para quitação de cada débito.
Além de atuar como intermediário nas negociações com os credores, o núcleo instrui e acompanha a reorganização financeira do consumidor.
- Defensoria Pública
Quem se encontra em situação de superendividamento pode ligar para o número 129 ou baixar o Aplicativo Defensoria RJ e procurar atendimento. É necessário responder a uma série de perguntas para entender o perfil financeiro em que a pessoa se enquadra. Em caso de aceitação, o interessado é encaminhado ao Núcleo de Defesa do Consumidor.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro tem adotado como prática as negociações individuais, com assistência jurídica e articulação com instituições de crédito parceiras, que possibilitam margens melhores para o pagamento das dívidas. À medida que uma dívida é quitada, outra começa a ser paga. A atuação é associada a um trabalho de educação financeira do superendividado, para que ele aprenda a cuidar de seu orçamento.
- Serasa
A Serasa oferece uma plataforma ampla de negociação de dívidas chamada Serasa Limpa Nome, que tem site e aplicativo para aproximar o credor do devedor, permitindo que os consumidores negociem com as empresas credoras com condições especiais de pagamento. Além disso, faz atendimentos via Central de Atendimento ao Consumidor (3003-6300), WhatsApp oficial (11) 99575-2096 e mais de 10 mil agências dos Correios, para quem prefere o atendimento presencial, mediante uma taxa. Para o atendimento presencial, é necessário apresentar um documento com foto e CPF.
Além da negociação de dívidas, a empresa investe em ações de educação financeira, com conteúdos gratuitos no Blog da Serasa, no canal do YouTube e na Comunidade Serasa no WhatsApp.
Entenda a lei de 2021
- O que é
A Lei do Superendividamento alterou o Código de Defesa do Consumidor e criou uma forma de negociação em bloco das dívidas para as pessoas físicas. Ou seja, permite ao consumidor que tem dívidas com vários credores fazer uma negociação única, criando um plano de pagamentos compatível com a realidade financeira dele. O parcelamento deve cumprir o prazo de até cinco anos, e é nele que a lei garante a preservação de parte da renda para a sobrevivência do endividado.
- Mínimo existencial
Em 19 de junho de 2023, foi publicado pelo governo federal um decreto que estabelece R$ 600 como valor do mínimo existencial. Ou seja, pelo menos R$600 para despesas básicas deverão estar protegidos nos acordos.
- Quem se enquadra
Por definição, superendividado é aquele que não consegue pagar todas as dívidas e, ao mesmo tempo, manter o mínimo para sobreviver; que adquiriu dívidas de boa-fé, ou seja, tinha a intenção de pagá-las integralmente, mas não conseguiu.
- Quem pode ajudar
É o próprio consumidor que deve procurar os órgãos responsáveis para solicitar a aplicação da lei. Na via extrajudicial, há o Procon e órgãos de defesa do consumidor. Caso a conciliação administrativa seja infrutífera, o caminho é a ação judicial de repactuação de dívidas, com a assistência de um advogado ou da Defensoria Pública. Os credores também podem propor acordos a devedores, mas essas negociações acontecem fora dos parâmetros da Lei do Superendividamento.
- Negociáveis
Pode ser negociado sob os parâmetros dessa lei: dívidas de consumo; contas de água, luz, telefone e gás; empréstimos com bancos e financeiras; crediários e parcelamentos.
- Inegociáveis
O que não pode ser renegociado nessa lei: impostos e tributos; pensão alimentícia; crédito habitacional (como prestação da casa própria); crédito rural e produtos e serviços de luxo.
- Benefícios
As principais vantagens do enquadramento na lei são:
– Suspensão imediata: todas as cobranças judiciais e execuções são suspensas logo no início do processo;
– Descontos significativos: embora não haja um percentual fixo, os credores costumam oferecer grandes descontos no saldo devedor (principal mais juros) para viabilizar o acordo;
– Controle de juros: a dívida é reestruturada com juros legais reduzidos e com vedação à capitalização (juros sobre juros) durante o prazo de cinco anos;
– Quitação total: o cumprimento do plano no prazo máximo de cinco anos garante a quitação total e definitiva de todas as dívidas repactuadas.
- Limitações
A lei se restringe a nichos específicos, uma vez que exige o mínimo existencial, muito baixo, para quem quer acesso aos seus parâmetros. Além disso, costuma haver resistência dos bancos para negociar em condições justas.
Fontes
As informações foram obtidas junto à Serasa e ao advogado Eduardo Bonilha de Souza, head da área de reestruturação empresarial e recuperação judicial do Paschoini Advogados.
Como virar o jogo
- Metodologia DSOP
O EXTRA pediu a Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin) e fundador da DSOP Educação Financeira, um passo a passo para os superendividados saírem dessa situação. É preciso comprometimento, paciência e mudança de hábitos, mas é possível.
- Diagnosticar
Segundo Domingos, é indispensável conhecer o tamanho do problema para agir com consciência. Registre todos os ganhos e gastos num período de 30 a 90 dias, incluindo pequenas e médias despesas, como cafés, aplicativos e transporte. Isso trará uma visão clara de onde o dinheiro está indo e permitirá identificar excessos e desperdícios. Além disso, liste todas as dívidas, separando as essenciais (como água, luz, aluguel e alimentação) das que têm juros altos (cartão de crédito, cheque especial e empréstimos).
- Sonhar
Ter sonhos é o que dá sentido ao esforço diário. Por isso, mesmo em meio às dívidas, é importante sonhar — com a casa própria, com um curso ou outros objetivos da vida que devolvam o sentimento de esperança.
- Orçar
O orçamento é o mapa para sair do superendividamento. Deve-se reservar parte da renda para as despesas essenciais, como alimentação, moradia, saúde e transporte, antes de qualquer negociação. Outra parte deve ser destinada ao pagamento de dívidas, buscando acordos que caibam no orçamento e priorizando os débitos com juros mais altos e os serviços essenciais. Também é importante poupar, mesmo que seja uma quantia simbólica.
- Poupar
O valor guardado pode ser pequeno, mas representa o início de uma nova relação com o dinheiro. A pessoa deixa de ser refém do crédito e começa a conquistar liberdade. Mais do que ter dinheiro, ela passa a ter paz.
- Direitos
No processo de recuperação financeira, é importante lembrar que quem contrai crédito assume o dever de cumprir com o pagamento, mas também tem direitos.
A Serasa diz que são direitos:
– Poder desistir de empréstimos feitos de forma on-line ou por telefone em até sete dias, conforme condições de cada credor;
– Receber notificação antes de ter o nome negativado;
– Receber a cobrança de forma respeitosa, sem constrangimentos ou exposições;
– Poder entrar em contato com a instituição credora para negociar a dívida;
– Ter a dívida retirada dos cadastros de inadimplentes após a quitação;
– Questionar a dívida e recorrer à Justiça, quando necessário; e
– Ter acesso a todas as informações da dívida de forma clara, objetiva e transparente.
*Com informações de Extra
