A falta que faz as flores
Ele está ali desde o início. No canto da sala, entre a cortina bege e a estante onde ficam os livros que raramente são relidos. Um vaso de cerâmica verde-musgo, pescoço largo, corpo robusto, com uma lasca minúscula na base, memória de alguma faxina apressada. Dizem que o compraram em um impulso, desses que se têm diante de um objeto bonito que parece prometer sofisticação ao lar. Mas promessas, sabe como é. Às vezes duram menos que a garantia do objeto.
Nunca teve flor.
Nem artificial. Nem seca. Nem daquelas colhidas no jardim da infância, junto com o papel dobrado e o “mãe, olha o que eu fiz pra você”. Nada.
A função decorativa, até hoje, sustentada pela expectativa do que poderia ter sido. “Um dia coloco uns galhos secos, ia ficar lindo”, alguém disse. Em voz alta. Com entusiasmo. Mas a vida corre e os galhos secos não chegam. O vaso virou paisagem.
É curioso como alguns objetos acumulam silêncios. Ele, por exemplo, parece carregar as ausências da casa. Como se cada flor não colocada fosse uma conversa não dita, um abraço adiado, uma intenção esquecida. Está sempre limpo, o que é ainda mais melancólico. Como quem se arruma pra uma festa que nunca vai acontecer.
Talvez ele represente isso: a elegância do que é inútil, mas permanece. A persistência dos enfeites não vividos. Há algo de nobre nisso. Ou de trágico. Depende do dia.
Em alguns domingos, quando a luz bate de lado, o vaso projeta uma sombra no chão que parece maior do que ele. Como certas memórias.
E segue ali.
Testemunha muda de quem chega, de quem vai embora, das discussões abafadas, dos risos curtos e das juras que se fizeram no sofá. Sempre vazio. Mas sempre presente.
Como algumas pessoas.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas