À Luz da Razão

Cientistas, a partir de estudos de fósseis, entenderam que o ponto de ruptura entre o homem moderno e sua versão mais abrutalhada ocorreu num momento absolutamente especial. Não quando dominou o fogo, ou descobriu a roda, ou iniciou a doma de animais, ou dominou a agricultura. O grande momento de mudança ocorreu quando alguém, em sua forma primitiva, optou por se colocar em risco pela vida de um semelhante. O achado que asseverou esse entendimento foi um fêmur “soldado”, um osso recuperado por um processo de tala, talvez com alguma forma de atadura.

Nos primórdios da humanidade, a sobrevivência dependia de força, agilidade e foco para conseguir alimento e esquivar-se, sem armas ou equipamentos, de predadores mais adaptados às condições adversas da natureza.

Quando algum membro do grupo se feria gravemente, era simplesmente abandonado, como analogia: era abandonado como “boi-de-piranha”, para que o grupo se evadisse, enquanto o ferido servia de pasto e distração para vorazes predadores. A humanidade, então, aflorou, pela primeira vez, em forma de amor,
naquele que se dispôs a salvar um semelhante, mesmo se expondo a também ser presa para feras.

Vimos alternando, durante nossa história, momentos de importantes avanços, mas, infelizmente, a insanidade de retrocessos absurdos e desumanos. A eliminação de crianças “defeituosas” entre os antigos atenienses; a segregação (Apartheid) e escravização (Roma antiga, África e Américas) de pessoas com base em sua etnia (judeus), cor de pele (índios e negros), opção religiosa (cristãos), condição física (Pessoas com Deficiência), entre outras. O processo é tão devastador que, por vezes, mesmo se tratando de ato absurdo, a própria pessoa ou seus entes próximos incorporam o conceito de inferioridade e buscam eternizá-lo em seu meio.

Em 7 de setembro, comemoramos a Independência do Brasil, livre do jugo português. Um dos motivos mais consistentes para tal apartação foi o fato de terem os brasileiros a obrigação de pagar 20% de tudo que produziam a título de impostos à Corte Portuguesa. O chamado “Quinto dos Infernos”. Hoje, no
entanto, somos espoliados pela “Corte Brasileira” quase duas vezes e meia aquele percentual. A liberdade nos custa muito caro.

A emancipação do país não nos libertou da ganância de quem é alçado ao poder. Além da constante criação de impostos, há, eventualmente, a sanha por retirar direitos duramente conquistados, como é o caso da atual Reforma Tributária, que, ao invés de reduzir os nababescos custos da máquina pública, buscou retirar direitos, especialmente daqueles que já convivem diariamente com as adversidades que as deficiências propiciam.

Nesse ritmo, talvez retornemos ao estágio americano do final do século XIX, quando estavam em vigor leis segregacionistas contra PcD e, pasme-se, pessoas “feias”, segundo o padrão da época. Entre outras, cita-se a Regra de Chicago, que previa multas para “pessoas doentes, mutiladas ou deformadas” em público. Não se pode compactuar com tais leis de exclusão, nem com a excrecência da falta de acessibilidade e mobilidade.

Ou, quem sabe, teremos que recuperar a centelha de amor que nos tornou humanos entre as feras?

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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