A Teoria da Linguagem Jurídica e a Definição Institucional: O Caso do Supremo Tribunal Federal
By P. B. Lemos Filho
A linguagem não é apenas um instrumento de comunicação; ela é também um mecanismo de criação de realidade. No campo jurídico, essa premissa ganha contornos ainda mais profundos, pois as instituições, normas e práticas são, em grande medida, produtos da linguagem. A teoria aqui proposta parte da ideia de que as coisas são definidas antes de terem existência e atuação conforme foram definidas. Ou seja, a linguagem jurídica não apenas descreve o mundo jurídico, mas o constitui.
Essa perspectiva linguística permite uma análise crítica das instituições jurídicas brasileiras, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF). A definição nominal e funcional do STF carrega em si uma carga semântica que, ao longo do tempo, moldou sua atuação de forma a extrapolar os limites originalmente previstos pela Constituição. A própria denominação “Supremo Tribunal Federal” sugere uma supremacia que não se limita à guarda da Constituição, mas se estende à possibilidade de se sobrepor a todos os demais poderes e instituições.
A Linguagem como Fundamento Ontológico do Direito
No direito, a linguagem é performativa. Quando o legislador define uma instituição, não está apenas nomeando-a, mas criando um ente jurídico com poderes, limites e funções. Essa definição é ontológica: ela antecede e condiciona a existência e a atuação da instituição. Assim, o nome “Supremo Tribunal Federal” não é neutro. Ele carrega uma ideia de supremacia, de autoridade máxima, que influencia a forma como o Tribunal se vê e é visto pelos demais atores jurídicos e políticos.
A teoria da linguagem jurídica proposta aqui sugere que a definição precede a função, e que a função tende a se expandir até os limites semânticos da definição. No caso do STF, a definição como “supremo” contribuiu para uma atuação que muitas vezes ultrapassa a função de guardião da Constituição, transformando o Tribunal em um verdadeiro órgão político de última instância, com poder de decisão sobre temas que extrapolam o jurídico e adentram o campo da moral, da economia e da política.
STF: Guardião ou Legislador?
A Constituição Federal de 1988 atribui ao STF a função de guardar a Constituição. No entanto, ao longo das últimas décadas, o Tribunal tem assumido um papel de legislador negativo e, por vezes, positivo, decidindo sobre temas que deveriam ser objeto de deliberação do Congresso Nacional. Essa atuação é frequentemente justificada pela omissão legislativa, mas também é fruto da própria definição institucional do STF.
A linguagem que define o STF como “supremo” legitima, ainda que implicitamente, essa atuação expansiva. O Tribunal passa a ser visto como o último bastião da racionalidade jurídica, capaz de corrigir os rumos do país mesmo contra a vontade popular expressa por meio do Legislativo. Essa visão é reforçada pela própria estrutura da linguagem jurídica, que confere ao STF o poder de interpretar a Constituição de forma vinculante, criando uma jurisprudência que se impõe sobre todos os demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública.
A Proposta de Redefinição Institucional
Diante desse cenário, propõe-se uma redefinição linguística e institucional do STF. A melhor denominação para o órgão seria Tribunal Federal Constitucional, uma nomenclatura que delimita sua função de forma mais precisa: interpretar e aplicar a Constituição, sem pretensões de supremacia sobre os demais poderes. Essa mudança nominal teria efeitos simbólicos e práticos, contribuindo para conter a tendência de expansão funcional do Tribunal.
Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderia ser renomeado como Tribunal Federal Especial, enfatizando sua função de uniformizar a interpretação da legislação federal, sem sugerir uma superioridade que possa gerar conflitos de competência ou de autoridade com os demais tribunais.
Exemplos Práticos da Atuação Exacerbada do STF
Diversas decisões do STF ilustram essa atuação além da guarda constitucional. Entre elas, destacam-se:
- A criminalização da homofobia e da transfobia, decidida pelo STF em substituição ao Congresso Nacional, que não havia legislado sobre o tema.
 - A suspensão de nomeações de ministros e autoridades, com base em princípios constitucionais interpretados de forma extensiva.
 - A imposição de medidas sanitárias durante a pandemia, em detrimento da autonomia dos entes federativos e do Executivo.
 
Essas decisões, embora muitas vezes bem-intencionadas, revelam uma atuação que ultrapassa os limites da função constitucional do STF. Elas são, em parte, produto da definição institucional que confere ao Tribunal uma aura de supremacia e de autoridade última.
A Linguagem como Ferramenta de Reforma Institucional
A redefinição linguística das instituições jurídicas não é apenas uma questão semântica; é uma estratégia de reforma institucional. Ao alterar a linguagem que define o STF e o STJ, é possível influenciar a forma como esses órgãos atuam e são percebidos. A linguagem cria expectativas, molda comportamentos e estabelece limites.
A proposta de renomear o STF como Tribunal Federal Constitucional e o STJ como Tribunal Federal Especial visa justamente reequilibrar essas expectativas, promovendo uma atuação mais contida, técnica e respeitosa dos limites constitucionais. Essa mudança pode ser o primeiro passo para uma reforma mais ampla do sistema jurídico brasileiro, baseada na clareza, na precisão e na responsabilidade institucional.
Conclusão
A teoria da linguagem jurídica proposta neste artigo revela que a definição precede a existência e condiciona a atuação das instituições. No caso do STF, a definição como “supremo” contribuiu para uma atuação que muitas vezes extrapola os limites constitucionais, transformando o Tribunal em um ator político de primeira grandeza. A redefinição institucional, por meio da linguagem, é uma ferramenta poderosa para conter essa expansão e promover uma atuação mais alinhada com os princípios democráticos e constitucionais.
A linguagem, portanto, não é apenas um meio de expressão, mas um instrumento de criação e de transformação institucional. Reformar a linguagem é reformar o direito.
P.B.Lemos Filho Teólogo formado pela Faculdade Teológica Batista de Brasília, Advogado formado pelo CEUB, pós graduação em Processo Civil. Foi Analista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Oficial de Justiça do TRT 10a Região e atualmente é Procurador Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal. É autor do livro OS REIS QUE VIRÃO publicado pelo clube de autores
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