Ainda mais, isso!

Você sabia que, mesmo nos EUA, país eminentemente democrático, que há muito preza pela valorização de seus cidadãos, havia restrições irrazoáveis a que Pessoas com Deficiência, especialmente motora, fossem contratadas, mesmo capacitadas para a atividade?

Havia um preconceito constrangedor que chegou a alcançar uma estrela do esporte olímpico, Jill Kinmont Boothe (1936-2012). Aos 18 anos e grande promessa para vencer as provas de esqui nas Olimpíadas de inverno de 1956, viu seu sonho se esfacelar. Nas prévias, em 1955, ela sofreu um grave acidente, ficou tetraplégica e impossibilitada de continuar a carreira como esquiadora. Com isso, veio a necessidade de refazer a própria vida, agora com inúmeras limitações. Por se tratar de uma moça dedicada, aprimorou-se nos estudos e se candidatou a uma vaga de professora. Além de todos os desafios que precisou enfrentar, agora se deparava com a execração, o isolamento e a dor de perceber que a perda se estendeu para muito além dos movimentos.

A experiência da atleta americana foi, provavelmente, similar à de uma infinidade de pessoas, inclusive de outras estrelas mundo afora como o grande piloto Michael Schumacher (56) e o eterno Super-Homem, Christopher D’Olier Reeve (1952-2004). Além, naturalmente, de milhares de anônimos que também são acometidos por alguma deficiência.

E o preconceito, muitas vezes, decorre da falta de conhecimento, ou de informação equivocada, de forma inocente ou intencionalmente distorcida.

No meu primeiro emprego formal, na área de projetos, tive a felicidade de trabalhar em um escritório importante e com boa remuneração. Minha deficiência não impedia nem dificultava minha atividade laboral. Estava confiante e me sentia integrado, conquistando o respeito e provendo as entregas esperadas de minhas funções.

Nesse período, pude “cortejar” – termo que já nem se usa – uma bela moça um ano mais jovem que eu. Num final de tarde qualquer, caminhávamos por uma rua tranquila e, num daqueles arroubos de paixão, muito comuns aos jovens, nos beijamos. Para evitar o transtorno de um desequilíbrio ou queda, me recostei em um muro baixo, encimado por uma também baixa grade decorativa. A expectativa era poder abraçá-la e beijá-la por alguns instantes, até a chegada do ônibus que aguardávamos.

Qual não foi a nossa surpresa, quando uma janela se abriu na casa às minhas costas e surgiu uma figura rabugenta, mal-humorada e, com toda a certeza, malamada, reclamando. O tom era brando, mas suplicante para que saíssemos dali. Que fôssemos fazer “aquilo” noutro lugar…

Eram apenas um abraço e um beijo. Desentendido, com a inabilidade juvenil, respondi dizendo que não fazíamos nada demais, que a rua era pública. A namorada, bastante ruborizada, já me puxava ela mão, para caminhássemos até a outra parada. Acredito que foi quando a fuxiqueira desocupada percebeu a
minha condição e disse se dirigindo à minha namorada:

Uma moça tão bonita!… Leva ele embora. Ficam fazendo “essas coisas” na rua.
Eu quis retrucar, mas tive a mão sugestivamente apertada, enquanto a
preconceituosa encontrava munição para sua irracionalidade:

Ainda mais com isso.
Foi bastante mordaz: “isso” era eu.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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