Amizade vencida
A notificação no celular chegou às 7h48 da manhã de um sábado. “Amiga, meu chá revelação é no sábado que vem. Conto com você! ” Ela encarou a tela. Suspirou. E jogou o celular de lado como quem diz: não vi, não respondi, não existo.
— Ai, amor, chá de revelação do bebê da Cíntia. Vai ter bolo azul ou rosa. E a velha tradição de querer que a gente finja surpresa. Que preguiça!
Ele riu, mas ela não. Estava só começando. Cíntia era a antiga parceira de trampo. Seis anos de loja no shopping, dividindo lanche, clientes insuportáveis e fofocas corporativas que envelheceram pior que iogurte fora da geladeira. Mas a vida mudou. Cada uma seguiu para empregos que pagavam pouco e cobravam muito. Trocaram a escolha de looks dos manequins por planilhas e o “vamos tomar um café agora” por “Vamos marcar”. Só que o tempo não apagou a relação… só empurrou sem fazer manutenção.
E então vieram os convites. Churrasco do marido da Cíntia. Aniversário do sobrinho da Cíntia. Open house da casa da Cíntia, que nem ela mesma gostou tanto assim. Os eventos comparecidos tinham uma carga de “da próxima vez vou ter que chamar também.” A cada convite, um diálogo clássico:
— Vai ser rapidinho, amor. — dizia ela para o marido.
— Aham. Igual da última vez que saímos às três da manhã e eu ainda ajudei a empacotar lembrancinha.
Ela revira os olhos. Ele coça a cabeça. Os dois já sabem: vão. Na última festa juntas, o auge do constrangimento: sentaram-se à mesa, só as duas. Silêncio. Entre um gole e outro, Cíntia falou sobre fraldas ecológicas e a escolha da escola bilíngue do bebê que nem nasceu. Tampouco se interessou se haviam novidades. Amanda, por dentro, só pensava: “Se eu puxar assunto sobre o tempo, é capaz dela falar do clima organizacional da empresa do marido.” O marido da Amanda, do outro lado da festa, mandou no WhatsApp: “Em quanto tempo já dá para fingir enxaqueca?” Ela respondeu com um emoji de palhaço.
No caminho de volta para casa, ele resumiu:
—Amor, na boa, vocês ainda são amigas?
Ela pensou. E disse a única resposta honesta:
— Somos, mais por inércia. Mas somos.
Ele riu. Ela também. Entre a lealdade aos amigos e a vontade de sumir, ela já sabia de qual lado estava.
— Da próxima vez, fala que a gente viajou — sugeriu ele.
Ela concordou, mas sabia que não. Na próxima estariam lá de novo. E em breve ela que estaria falando “Amor, vou ter que chamar a Cíntia”. Porque algumas amizades não acabam. Elas se aposentam, e o pior é que a gente segue pagando o INSS.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.