Cachaça alemã
“Seu garçom faça o favor de me trazer depressa… “, pedido feito pelo genial Noel Rosa, em parceria com Vadico, na deliciosa Conversa de Botequim/1935. Uso essa relação com os respeitáveis profissionais dos bares para compartilhar uma experiência de juventude cheia de paixões, quando tive a oportunidade de uma saída com a linda recente namorada.
Em 1979, quando Chico Buarque e Tom Jobim lançavam a famosa música A Turma do Funil, marchinha gostosa da qual muitos, infelizmente, só conhecem o refrão, a paixão me dominava e a emoção de estar com ela transformava o mundo num lugar melhor.
A moça era bela, uma mulher “por trás dos óculos” – parafraseando Vinícius, na referência ao personagem da música com parceria de Toquinho: Um homem chamado Alfredo (1975) -, com seus cabelos castanhos claros, um sorriso gentil e iluminado como uma manhã de primavera. Minha juventude bastante inquieta, com destacada voz grave e cabelos muito escuros, se arrogava um ar de seriedade em sua presença, ampliada pela sobrancelha espessa sobre olhos verde musgo. Mas era apenas aparência. Na verdade, me assolava sempre a insegurança quando aqueles belos olhos claros se perdiam dos meus numa busca indefinida, entre sonhos ou, talvez pior, certezas. Naquele momento, naquele dia, ela estava ali. Com seu natural esplendor e excepcional carisma.
Quem sabe pudesse impressioná-la com um mimo especial, belas palavras escolhidas, promessas, ainda que vãs, de devaneios por sucessos grandiosos…
Com o melhor sorriso e o olhar mais convicto, o convite para “aquele bom restaurante ali, na subida da rua da Bahia” pareceu à minha inexperiência juvenil uma opção interessante. E apenas o fato de ela aceitar o inseguro convite, já fez o coração disparar num descompasso ansioso.
O que mais fazer para tornar o fim de tarde memorável?
Apesar de não ser adepto a qualquer bebida alcoólica, tinha ouvido falar de uma bebida importada em voga naquele tempo. Chegamos cedo, de mãos dadas, para minha alegria; e o único transtorno, foi o aparelho ortopédico insistir em travar no instante de nos sentarmos, criando uma cena meio engraçada. Pequeno constrangimento. Já me acostumara.
– Para ela, um suco de laranja e, para mim um stranreiger, por favor.
– O que, senhor? Eu não entendi…
– Um stranreiger.
Respondi já percebendo a má intenção do rapaz.
– O senhor pode repetir?
O rosto afogueava, a paciência foi à toalete, meus olhos fugiam envergonhados dos dela e o sujeito me encarava questionador enquanto os últimos resquícios de controle teimavam em tentar me abandonar.
– A cachaça alemã, você conhece?
– Ah! Sim. Steinhaeger. E para comer?
Qual a intenção daquele sujeito que, em princípio, estava ali para nos atender da melhor maneira possível? Seria o fato de eu, meio torto, de aparência não tão convencional e sem aparentar, até pelas roupas, dispor de uma condição financeira privilegiada? Ou porque, apesar de tudo isso, estar acompanhado de uma mulher fenomenal, cuja presença marcante iluminava o ambiente?
Quando Reginaldo Rossi, em 1987, lançou Garçom, já era tarde demais.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.
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4 Comments
kkkkkkkk muito bom…. lembro de quando saí com uma linda garota da juventude e fui ao melhor restaurante do bairro. Nunca havia frequentado tal ambiente, juntei grana por 3 meses e, claro, tive o cuidado de tomar conselhos com um amigo acostumado a esse tipo de luxo. Além de um belo prato principal, ele sugeriu, para sobremesa, um sorvete com calda flambada… não tinha a menor ideia do que era aquilo, mas pedi. Para meu desespero, o garçom montou o tal prato ao lado da mesa e, quando o fogo subiu, minha reação imediata foi procurar um extintor kkkk e ela percebeu kkkk. Hoje é minha esposa e estamos casados há maravilhosos 34 anos.
Ah, você sempre foi lindo, e impressionantemente inteligente! A garota por mais bela que fosse, com certeza estava encantada por você! Uma delícia de artigo, como todos os seus artigos que li!
Ah, você sempre foi lindo, e impressionantemente inteligente! A garota por mais bela que fosse, com certeza estava encantada por você! Um artigo, gostoso de ler. Me remete a juventude, os sentimentos exacerbados, e cheio de encantos como todos os seus artigos que li!
Mário, meu velho, que texto genial! Você conseguiu transformar uma cena corriqueira de bar em um retrato hilário e, ao mesmo tempo, cheio de sutilezas sobre comportamento, relações e esse personagem fascinante que é o garçom brasileiro. A forma como você narra o constrangimento com leveza e ironia é digna de um brinde — e não de uma cachaça qualquer, mas de uma edição especial!
“Entre as várias personalidades encarnadas pelos garçons…” — só essa frase já dá o tom da crônica: inteligente, bem escrita e espirituosa. E o final? Um brinde aos namorados e aos amores… puro charme literário.
Parabéns! Texto redondo, divertido e com aquela pegada de cronista experiente. Que venham mais doses — de boa escrita como essa!