Especialista alerta: proteção infantil nas redes exige mais que verificação de idade por IA

Especialista critica proposta do governo de exigir verificação de idade por inteligência artificial e alerta para riscos de privacidade, falhas técnicas e medidas simbólicas sem efetividade na proteção infantil

A proposta do governo federal de exigir verificação obrigatória de idade para acesso às redes sociais e criar um canal unificado de denúncias contra abusos virtuais reacendeu o debate sobre a segurança digital de crianças e adolescentes. A iniciativa, embora considerada bem-intencionada, tem gerado preocupação entre especialistas em tecnologia, comportamento e direitos digitais.

Para o sociólogo e marqueteiro político Marcelo Senise, presidente do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA), pai e especialista em comunicação digital, a proposta peca por ignorar a complexidade do problema. “Há um abismo entre o desejo de proteger e a capacidade real de controlar, especialmente quando se ignora a complexidade tecnológica, social e ética desse desafio”, afirma.

Senise critica o uso de tecnologias de inteligência artificial para estimar a idade de usuários, como sistemas de reconhecimento facial. Segundo ele, tais ferramentas trazem riscos significativos à privacidade e à equidade. “Quem decide os parâmetros desses algoritmos? Quem os audita? E o que acontece com os dados sensíveis coletados?”, questiona, alertando para falhas recorrentes como discriminação algorítmica, erros de identificação e vazamentos de dados.

Outro ponto controverso, segundo o especialista, é a criação de um canal unificado de denúncias. Embora a proposta prometa centralizar e agilizar o combate a abusos virtuais, Senise aponta que, sem articulação institucional e capacitação técnica, o canal corre o risco de ser mais um instrumento político do que uma ferramenta eficaz. “Sem envolvimento real de governo, plataformas, especialistas e sociedade civil, essa medida pode virar apenas uma vitrine: vistosa por fora, inoperante por dentro”, avalia.

Além das limitações técnicas e operacionais, o sociólogo alerta para um problema ainda mais estrutural: a falsa sensação de solução. “O governo corre o risco de alimentar um ciclo de medidas vazias, com alto apelo simbólico, mas que não enfrentam as engrenagens reais do problema”, afirma. Ele ressalta a ausência de políticas públicas consistentes de educação digital, literacia midiática e responsabilização das plataformas como uma das principais falhas do atual cenário regulatório.

Apesar das críticas, Senise reforça que não é contra a regulamentação — ao contrário. Para ele, regular a atuação das plataformas digitais e o uso da inteligência artificial é uma medida urgente, mas que deve ser baseada em evidência, responsabilidade e participação democrática. “Precisamos proteger as crianças, sim — mas com inteligência, seriedade e compromisso com o longo prazo. A boa intenção é o começo, mas não pode ser o fim do caminho”, conclui.

Marcelo Senise é também CEO da CONECT I.A e sócio fundador da Social Play. Atua há 36 anos na área política e eleitoral e é referência em análise de sistemas emergentes e inteligência artificial aplicada à comunicação.

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