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O filho do pai

O menino nasceu às 3h47 da madrugada.
A mãe estava com o cabelo grudado na testa, aquele olhar perdido no além e uma mistura de
dor e êxtase hormonal.
O pai chorava emocionado, com o filho no colo:
— Olha isso, amor. É minha cópia!
Começou ali.
A enfermeira:
— Ihhh, esse aí não tem nem como negar, hein?
A avó paterna:
— Rogério, é você todinho! Deus do céu, até a orelha é igual!
A mãe respirava fundo. Queria dizer:
— O bebê ainda tá inchado, gente! Depois a gente analisa com mais precisão.
Mas achou que não ia convencer.
Na primeira visita:
— Nossa, Rogério, ele é todinho você!
Na segunda:
— Esse queixinho é igualzinho ao seu!
Na terceira:
— Gente, até o jeito que chora!
Ela ria. Mas por dentro, fazia um PowerPoint mental:
O sangue é meu.

O nome fui eu que escolhi.
Quem ficou dezesseis horas em trabalho de parto fui eu.
Mas, na família, os comentários incluíam:
No ultrassom, ele já parecia com o pai.
O Rogério tem uma foto chorando, até o jeito de chorar é igual.
Ele dorme na mesma posição que o pai.
Se espirrasse, alguém ia gritar: “Até o espirro é igual ao do Rogério, misericórdia!”
Ela, que ficou inchada, vomitando por nove meses, sem dormir e sem comer nada cru por nove
meses, agora era só ouvia:
-Bianca do céu, você pariu seu marido!
No fundo, ela só queria um reconhecimento simbólico. Nada demais. Uma frase simples, tipo:
— Ele tem um olhar meio seu.
Ou até:
— Que bonitinho o pezinho, pelo menos o pé é o da mãe.
Mas nem isso.
Era tudo do pai. Até o redemoinho do cabelo.
Quando foram tirar a foto de família, ela olhou a imagem e quase caiu pra trás: parecia um pai
segurando uma miniatura dele mesmo, e uma mulher aleatória no canto, com olheira e uma
franja suada.
Mas tudo bem. Ela esperava.
Porque criança muda.
E se não mudar… ela já estava treinando o discurso pra escola:
— Ele é a cara do pai, mas o gênio é meu.
E isso, meu amor, é o que dá mais trabalho.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são .

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