Parabéns pra você
Vai ser só um bolinho. Natália repetiu a frase dezenas de vezes, quando comentava sobre o próximo aniversário do filho. De tanto pesquisar inspirações, bastava escrever “a” que o Google completava: aniversário barato para crianças de 6 anos. Já havia se decidido que só compraria um saquinho de balões azuis, um cento de salgados, um bolo modesto e os ingredientes pra fazer um brigadeiro de panela. Qual o problema da simplicidade? Antigamente as festas eram assim. O que vale mesmo é o momento em família, a celebração em si.
Pois é. Só que, dentro do orçamento apertado, os 500 reais viraram 12 prestações de 500. A conta saiu do verde pro vermelho, quando a criança foi consultada:
— Filho, o que acha das cores azul e branco pra sua festa de aniversário?
— Não quero. Quero verde!
— É mesmo, bebê? A mamãe achava que você preferia azul.
— Eu quero verde do Hulk.
— Que legal, filho! A mamãe fica feliz por você fazer escolhas como essa.
— Mamãe, e eu também vou querer o Hulk bem grande.
— Meu amor, esse ano vamos fazer diferente. A mamãe vai chamar só as pessoas que você mais gosta. Depois vamos viajar pra um lugar bem legal, com piscina e tudo. O que acha?
— Nãaaaaaaoooo. Eu quero o Hulk bem grande. Rrrrrrrllllllllll. Bem bravo!
Nathália logo lembrou do vídeo que assistiu no Instagram sobre educação positiva. Agachou na altura dos olhos dele, falou com voz doce:
— Filho, vamos negociar? Que tal um bolinho verde? Com um desenho do Hulk de papel?
Ele encarou a mãe como o próprio personagem.
— EU QUERO O HULK EM PÉ! IGUAL DO ANIVERSÁRIO DO JOÃO PEDRO! Em seguida, começou a chorar.
Naquele mesmo dia, Natália entrou no site da empresa de decoração temática. Parcelou o boneco inflável de 2 metros e meio, que na descrição prometia “impacto visual garantido”. Tal qual o impacto financeiro.
Depois vieram os outros itens que, até então, ela nem sabia que existiam: painel de fundo com impressão em alta resolução. Mesa de cilindros. Tapete verde com grama sintética premium”. E claro, o buffet infantil. Porque o João Pedro, além de ter tido um pula-pula em formato de braços verdes, tinha tido um buffet. E o filho dela agora queria o mesmo.
— Mãe, vai ter salgadinho de estrela? — perguntou ele, numa terça-feira aleatória, enquanto ela lavava a louça.
— Salgadinho de quê?
— De estrela. Igual no aniversário do João Pedro?
Ela não sabia o que era um salgadinho de estrela, mas pegou o contato do buffet com a mãe do João Pedro. Era coxinha modelada em forma de estrela. 70 reais a dúzia. Pediu duas dúzias. Porque o que são cento e quarenta reais a mais pra quem já perdeu a dignidade financeira?
Na véspera da festa, Natália passou a noite enrolando brigadeiros. Era difícil preencher os três metros da mesa do bolo; separou as roupas; passou a fantasia de super-herói do filho; conferiu os horários de chegada dos fornecedores, e dormiu pensando que acordaria em três horas pra receber o maquiador.
Chegou o grande dia. Todo mundo produzido, tudo montado, tudo lindo, tudo verde. O boneco inflável tremulava e mais parecia um dançarino de funk. Os convidados chegaram. Os salgadinhos de estrela foram devidamente fotografados para o Instagram das mães presentes.
E o aniversariante?
Deu uma crise existencial logo na primeira meia hora. Emburrou porque o Davi pegou o primeiro brigadeiro. Chorou porque a fantasia estava “coçando”. Depois porque não queria tirar foto. Depois porque o Hulk estava “olhando feio pra ele”.
Resultado: passou metade da festa sentado num canto, de braços cruzados, cara amarrada, recusando, bolo, parabéns e contato humano.
Natália fez o que toda mãe com cartão estourado faria: sorriu nas fotos. Recebeu dos convidados os cumprimentos pela festa. Ignorou o calo no calcanhar, provocado pela sandália nova. E postou nos stories: “Vale cada sacrifício pra ver esse sorriso (mesmo que só dure 15 minutos. )”
Na volta pra casa, com o menino dormindo no banco de trás, Natália parou na farmácia pra comprar um antiácido.
Com os olhos fundos e o cabelo grudado de suor, pediu o medicamento pra azia. A moça do caixa perguntou, simpática:
— Você tá voltando do aniversário no salão de festas aqui do bairro?
Natália sorriu, com um leve tremor no olho esquerdo.
— Sim, de lá mesmo! Festa ótima!

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.