Salomão e Denise

Santa Tereza, espanhola de visão muito além de seu tempo, excepcionalmente culta, a ponto de ter sido considerada a primeira Doutora da Igreja, em 1970, apesar de ter vivido seus 67 anos no século XVI, empresta seu nome a um bairro de classe média em Belo Horizonte. Em um encontro quase de céu com espírito, o cruzamento de duas ruas nesse bairro, Divinópolis e Paraisópolis, recebe, em janeiro de 1952, uma criança de luz, Salomão. Como em meados do século passado, e descrevo isso no livro “Sobre Viver com Pólio”, era hábito tratar as pessoas por apelidos, nesse caso não diferente. Esses codinomes quase
sempre eram reduções dos nomes reais ou formas carinhosas de tratar as crianças que, mesmo com o passar do tempo, nos círculos mais próximos dessas pessoas, o termo se consolidava. Minha irmã, por exemplo, Ana Lúcia, ainda é tratada, carinhosamente, como Sanica. O termo vem de uma série natural de adaptações, bem típica dos mineiros: Senhora Ana – Sá Ana – Sá Aninha – Sá Nica – Sanica. E Salomão, cujo nome transcendeu com arte e cultura, as montanhas de Minas, se fez Lô, o grande Lô Borges.

Em 1961, na cidade cujo nome homenageia o grande Santos Dumont, gênio que abriu os céus para que os homens pudessem voar, realizando assim o sonho do filho de Dédalo – Ícaro –, nascia a vencedora Denise Sebastiana Silva. Nove anos depois de Lô, no mesmo mês de janeiro, também nove dias depois. Essa mulher gentil, dinâmica e aguerrida foi eminente defensora dos direitos das Pessoas com Deficiência. Ela mesma, cadeirante, carregava o estigma das sequelas de poliomielite, mas nem por isso acomodou-se à espera de benesses que a mantivessem dependente e submissa. Apresentou propostas, estudos e projetos que visavam a melhoria da acessibilidade, especialmente em vias, transportes e edifícios públicos, nos espaços de convivência e de socialização. Suas ações não tinham foco restrito às PcD, mas à cidadania de todos, porquanto usuários de ruas, praças, edifícios, parques…

A correlação entre esses dois expoentes em campos distintos da atividade humana reside no fato de serem mineiros e na tristeza de terem partido na mesma data, 03 de outubro. Causa uma profunda dor a perda de cada um deles, ainda que tenhamos consciência de que aquilo que produziram de melhor será
fruído por muitos ao longo dos tempos.

Havia muito amor no que faziam pelo próximo em sua área de atuação e isso faz toda a diferença na longevidade de seu legado.

Do encontro de ruas belorizontinas surgiu o Clube da Esquina que agregou à arte de Lô Borges importantes talentos: Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Beto Guedes e Márcio Borges. Esses ícones da MPB, através de suas criações, levaram o espírito de Minas aos quatro cantos do mundo, como um abraço terno e aconchegante como a brisa que vagueia entre imponentes
montanhas.

Da adversidade gerada pela poliomielite, surgiu uma incansável batalhadora, cujas armas eram o sorriso, a disposição e o conhecimento, levados sobre as quatro rodas de uma cadeira.

Mário Sérgio Rodrigues Ananias é Escritor, Palestrante, Gestor Público e ativista da causa PcD. Autor do livro Sobre Viver com Pólio.

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