Sem fim

O motorista do Uber tentava não parecer curioso, mas acabou se entregando quando encontrou o olhar dela pelo retrovisor. A passageira, no banco de trás, falava ao telefone em um tom que variava entre histeria e ansiedade:
— Vai escutando! Aí ela me disse que já sabia da história toda. Que tinha visto o print e tudo mais. O carro já estava encostando na porta da loja quando a menina uniformizada acrescentou:
— Porque se ele descobrir…
Ainda falando, desceu, bateu a porta. Rogério não ouviu “obrigada”, se virou com cara de reprovação, conferiu se os bancos estavam no lugar, mas queria mesmo era ouvir o resto…
Ligou o rádio, seguiu para a próxima corrida, irritado sem entender direito o porquê.
No supermercado, a moça do caixa passava os produtos e, em sincronicidade com a colega da frente, se virava pra manter o vínculo da conversa.
— O procedimento deu errado. Ela tá arrasada!
— Ela não gostou ou não ficou bom mesmo?
— Carla, você não tá entendendo! Eu preciso te mostrar a foto. Deu muito errado, ela tá irreconhecível. Pega meu celular aí na gaveta e olha.
— Crédito ou débito, senhora? — disse a moça do caixa, como quem fecha a porta na cara do clímax.
Dona Márcia torceu pra atendente alcançar a tal da gaveta. Mais um item na compra e ela teria espiado a foto. Mais uma sacola no carrinho e pronto. Seria caso encerrado. Mas não foi.
No bairro vizinho, na sala de espera do consultório, o celular de um homem vibrou, provando que o modo silencioso parece não funcionar em locais silenciosos. A pessoa do outro lado falava tão alto que não precisava ativar o viva-voz pra entender o contexto e pescar alguns detalhes.
— Alô?
— Você viu o que saiu no jornal? O corpo apareceu, Edson!
— Você tá de brincadeira! Tem certeza que era ele?
— Tenho. Tinha a mesma tatuagem no antebraço
O médico chamou: “Senhor Edson, por favor”.
Ele desligou o telefone com um “te ligo em vinte minutos.” E sumiu porta adentro.
A secretária acompanhou o paciente com os olhos e em seguida perguntou pra outra:
Você ouviu?
O silêncio camuflava a curiosidade coletiva. Na falta das palavras, alguns desconhecidos se entreolharam antes de fingir desinteresse.
Na hora do boa noite no grupo da família, a sobrinha escreveu:
“Gente, hoje no trabalho eu ouvi um negócio que, olha… só por Deus.”
E quando a tia respondeu “O quê???”
Foi vista online às 21h17.
Digitando às 21h22.
E depois, nada.
Fim.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são .