Só nos resta viver
Se estivesse entre nós, o espetacular paraibano Ariano Suassuna teria também 97 anos. E com toda a certeza a sua irreverência, inteligência e rapidez de raciocínio estaria produzindo maravilhas. Dizemos “também”, por que nasceu no mesmo ano que outros expoentes, como Tom Jobim; o cantor Lúcio Alves; o irreverente Bezerra da Silva; a atriz Laura Cardoso; o escritor colombiano Gabriel Garcia Marques. Foi em 1927 que a Arábia Saudita conquistou sua independência; e Lampião foi derrotado em Mossoró/PB. A Coluna Prestes sucumbiu, exilando-se seu líder, Luiz Carlos, na Bolívia e, com o grande desenvolvimento da indústria automobilística, foi fundada, no Pará, a Fordlândia, centro extrator e exportador de látex para atender às demandas do novo mercado industrial. Também surgia no Brasil uma das maiores e mais importantes empresas aéreas por longo período, a VARIG, que fez bonita história no Brasil e no mundo.
Em 1927 o mundo se despedia do grande cientista austríaco, Karl Oscar Medin, que desenvolveu pesquisas importantíssimas para o tratamento de Escorbuto, Meningite e Tuberculose. O seu trabalho mais importante, em 1890, em complemento ao de Jakob Heine, foi identificar a poliomielite como entidade clínica e seu caráter epidêmico, patologia que ficou conhecida como Síndrome de Heine-Medin, em homenagem aos mestres.
Em outubro/24 ficamos pesarosos e rendemos homenagem à grande voz da televisão brasileira. Cid Moreira, locutor e âncora daquele que foi um dos maiores telejornais da tv mundial: o Jornal Nacional. Com sua competência e talento excepcional, narrou com tristeza a derrocada da Varig em 1991; as mortes de Lúcio Alves, em 1993 e de Tom Jobim, em 1994.
Seu poder de comunicação foi emprestado com muita dignidade à leitura dos textos bíblicos e se tornou uma referência, sempre buscada, para inúmeras edições de vídeos e eventos cristãos. Com entonação grave e perfeita, conseguiu dar amplitude às palavras de louvor que a tantos trouxe paz, conforto e estímulos à vida sob os ensinamentos do grande livro.
O sentimento de pesar e impotência diante da morte, especialmente de alguém de sua importância para a história do jornalismo, quase como se fosse um parente, talvez sirva para nos lembrar que a vida é um presente e precisa ser tratada com zelo, desvelo e alegria. É imprescindível que, enquanto seres humanos, sejamos capazes de pensar e alterar, conscientemente, o nosso espaço vital, valorizando cada instante e aprendendo a respeitar o próximo como forma de tornar nossa caminhada mais leve e produtiva.
Nesses tempos de busca insana de poder pelo poder, em que o outro é apenas um degrau a ser vencido, outros sintomas doentios se levantam como aquele citado nas “histórias” de Heródoto, a Síndrome da Papoula Alta ou, ainda, a Síndrome do Pequeno Poder, bem retratado no livro de Erich Maria Remarque, “Nada de Novo no Front”.
Mesmo com angústia pela partida do grande Cid Moreira, é sempre bom atentar para a lição de Ângela Ro Ro, na música do disco homônimo “Só nos resta viver” (1980): “A vida é bela, só nos resta…”
2 Comments
rapaz…. sabe outro ponto que também é muito impactante nesse texto!? Já tivemos como referência cultural nomes como Tom Jobim, Ariano Suassuna e a inesquecível voz de Lúcio Alves. Mas agora, testemunhamos nossa cultura ser referenciada pelos “Mcs” da vida, e por mulheres que fizeram de suas curvas o único motivo para se autointitularem artistas. Triste momento de nossa cultura.
Mário, que texto maravilhoso! É daqueles que a gente lê com calma, sentindo o peso e a beleza de cada palavra. Você conseguiu costurar história, cultura, jornalismo e sensibilidade com uma elegância impressionante. A forma como conectou nomes como Ariano Suassuna, Tom Jobim, Cid Moreira e até referências históricas como a Fordlândia e a Coluna Prestes foi simplesmente genial. É uma aula de memória afetiva e lucidez crítica — uma verdadeira homenagem à vida e à memória. Parabéns por esse olhar tão generoso e profundo sobre o tempo e sobre as pessoas que marcaram épocas. De verdade: seu texto é daqueles que a gente guarda.