Sociologia de mercado
Detesto fazer compras do mês. Mas, há uma espécie de recorte da nossa sociedade, entre as gôndolas do galpão frio, que me chama atenção. O mercado é um organismo vivo, onde tudo acontece ao mesmo.
Logo na entrada, um locutor munido de microfone e coragem anuncia promoções com entusiasmo fora de contexto: – ATENÇÃO CLIENTES, NA COMPRA DE TRÊS SABONETES LEVA DOIS! (Pausa dramática, como quem fez piada junto ao Jô Soares.)
Mas é brincadeira, viu? Aqui tem promoção DE VERDADE!
Ninguém ri. Mas ele insiste. Talvez tenha se acostumado com a indiferença de quem não gosta de fazer compras, como eu.
Enquanto ele improvisa piadas com áudio chiado no microfone, uma criança chora na fila do caixa. Pede pra ir embora, pra nunca mais voltar. A mãe finge paciência e contabiliza, mentalmente, quantos dias faltam para as férias acabarem.
Na seção de cereais e produtos saudáveis, um homem analisa pacotes como quem avalia contratos. Tem ali algo de filosófico: flocos de milho ou aveia em flocos finos? A escolha parece pequena, mas tem embutida uma série de dilemas: saúde, praticidade, infância. Um jeito sério de escolher comida.
No corredor de limpeza, duas senhoras disputam discretamente a última embalagem do amaciante concentrado que está em promoção. Cordialmente, a mais ágil sorri com a vitória. A outra se resigna e pega a versão “com perfume prolongado” e se autoconsola em pensamento. Esse também é cheiroso.
Perto da degustação, uma moça uniformizada oferece café solúvel com um sorriso quase fixo. A maquiagem está impecável. Olhos delineados, batom vermelho e cabelos escovados. Ela não toma o café que oferece, só observa quem toma. E torce pra que as embalagens sumam da prateleira o mais rápido possível.
E tem o casal. Sempre tem. Ela passa os itens no caixa enquanto ele tenta encontrar o cartão com melhor dia pra pagamento. A encenação é milimetricamente repetida por outros casais. Eu gosto de observar a interação entre eles. Alguns tagarelam e sorriem o tempo todo, nem parecem se importar com os preços que estão pela hora da morte. Outros seguem calados, interagem muito mais com o celular do que com o próprio parceiro.
O mercado é aquele lugar cheio de simultaneidade, munido por capitalismo e cenas aleatórias. Tudo isso ao som de música ambiente em uma playlist que inclui Kelly Clarkson e Maurício Manieri, e o pensamento insistente: parece que eu tô me esquecendo de comprar alguma coisa.
Eu detesto fazer compras. Odeio escolher marca de água sanitária, odeio fila, odeio lembrar que esqueci a mussarela e já tô longe da geladeira. Mas amo esse teatro involuntário, esse desfile de humanidade cotidiana. Tem algo bonito, e meio cômico, em ver como todos nós tentamos manter a dignidade enquanto empurramos carrinhos tortos, driblamos a impaciência, e fingimos que a partir dessas compras a vida vai começar a ser mais saudável.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.