Você tá on?

Em casa
— Mãe, cadê meu pai?
— Tá no banheiro.
— De novo?
— De novo. Mais cedo eu achei que ele tinha morrido na privada. Mas estava jogando pôquer com dois coreanos e um argentino.
— Nossa, até no banheiro? Meu pai não larga esse celular pra nada.
— E eu não sei? Ainda mais depois que se aposentou. Eu falo o dia todo na cabeça dele. Agora ele vai para o banheiro se esconder de mim. Como se eu acreditasse que ele adquiriu uma diarreia crônica.

— Eu, hein? Queria falar com ele sobre o treino de futebol de hoje. Diz pra ele me ligar? Tô atrasado pra pegar o ônibus.

—–

No ônibus
— Moça, você pode tirar a bolsa pra eu sentar, por favor?
Sem desviar o olho da tela, a jovem com o uniforme do mercado fez um movimento tão mecânico quanto um guindaste puxando uma barra de ferro.
O volume do celular oferecia entretenimento gratuito para os bancos da frente e de trás, imagine para o Juninho que se sentou ao lado!
No vídeo, uma garota ensinava a fazer um pão com alho e Nutella na airfryer com o entusiasmo de quem prepara um bife Wellington.
Juninho, que tinha comido um boi no café da manhã, estava sem fome e sem paciência para espiar o vídeo. Os outros passageiros seguiam abduzidos pelo próprio celular. Alguns relembraram a posição tradicional da cabeça para levantar o pescoço e lançar olhares de reprovação e desprezo.

Ainda bem que eram só quatro pontos até a clínica do ortopedista. O jogador do time de base desceu do ônibus com o humor de quem mistura alho com Nutella.

—-

Na clínica

A recepção era um retrato da paciência: uma senhora com dor na coluna, uma mãe com o filho enfaixado e um homem de muletas equilibrando um capacete esperavam diante de secretárias que pareciam contrariadas por estarem ali.
Enquanto aguardava a senha — mesmo sem fila — o celular do motoboy lesionado tocou. O volume da voz aumentava depois de cada curto período de silêncio.
— Oi, Patrícia.
— Tá me ouvindo?
— Alô?
— Eu tô no médico. O sinal aqui tá ruim.
— Quê?
— Quem ligou?
— Não entendi nada. Manda um áudio aí.
Um pensamento coletivo ecoou por todas as mentes: desligou. Graças a Deus.
— Ricardo Alves Júnior. Consultório 3.
Juninho seguiu pelo corredor estreito com portas à direita e à esquerda. Chegou à entrada da sala 3, cedeu espaço para a equipe de marketing do ortopedista sair carregando a parafernália que incluía tripé, ring light e cases para câmera, bateria e flash.

— E aí, Júnior, tudo bem? Terminou a fisioterapia? Eu mostrei um caso bem parecido com o seu no Instagram ontem. Depois dá uma olhada lá.

—-

No caminho para o futebol
Ignorando o sol quente, abriu o TikTok. Um influencer falava bem alto:
— Quer saber como um vídeo meu viralizou nas redes sociais?
Guardou o celular no bolso, decidiu que agora era ele quem estava no controle. Se convenceu de que deveria ser capaz de escolher o silêncio e aquietar a mente. Para concretizar a decisão, postou um Story enigmático, com a música “I’m in control”. Teve 18 curtidas. E uma resposta: “Mano, te mandei áudio e até te liguei. Vc tá on?”

Não soube responder.

Marianna Mafe é jornalista, sócia-diretora de uma agência de marketing e apaixonada pelas palavras. Entre uma campanha e outra, com humor e reflexão, se dedica a desvendar as histórias do cotidiano que estão ao nosso redor, mas nem sempre são percebidas.

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